segunda-feira, 14 de março de 2011

TEXTO nr. 6 – Verão de 2011

Pobre mundo Podre

“Não se preocupe, nada vai dar certo” — Um filme de Hugo Carvana.

Às vezes eu me questiono: será que o mundo endoideceu ou são as pessoas que ficaram antiquadas, despreparadas para essa nova vida, esse novo jeito de viver? Será que ser criança tem que ser já complicado desde a tenra idade? Não daria para somente deixá-las brincar e pronto? Será que temos que nos preparar para uma sociedade competitiva, que vai nos exigir somente que sejamos, no mínimo, o ‘’melhor’’? Algo tão simples, não é mesmo?

Porque existem então tantos desajustados, loucos não, que manicômio é coisa do passado, pelo menos na mídia não se houve mais falar. Melhor é a gente se tratar, pagar psicólogo, psiquiatra, fazer yoga, reiki, beber uns tragos, passar mal, ter câncer, tudo isso é bom, afinal dá mais dividendo aos acionistas, mais divisas para a podre burguesia que se acha importante, que contribui para o belo “progresso” do país e do mundo.

Mas a verdade é que nos encaminhamos pela inexorável estrada do fim dos tempos. Tudo indica sim, e eu sinto um pesar enorme, mas há sinais por toda a parte, basta querer ver, olhar diferente, diferente do que a mídia nos bombardeia todo dia, aquele papo que podemos ser felizes com o novo carro, o modelo de última geração de celular que não falta nem falar, a TV de muitas polegadas, tudo isso para quê? Para que serve aos cegos uma imagem cristalina? E a vida a nos consumir sem percebermos. Viramos marionetes sem vontade e sem movimentos próprios. A mercê de um mundo que não está mais em prol do bem estar das pessoas. Um mundo ateu que se acha perfeito. Um mundo cheio de pessoas vazias. Almas penadas e vazias.

O trabalho já não engrandece ninguém. O fruto do trabalho não é a satisfação de algo bem feito, de atender alguém com carinho e respeito. É extorquir para si o máximo, passar por cima de tudo e de todos para auferir o maior lucro possível. Para assim poder comprar aqueles objetos de desejo que vão trazer a felicidade numa bandeja de prata, como em um passe de mágica. Mas que vai se esvair entre os dedos tão rápido como surgiu. E o desespero será retomado com mais horas extras, com múltiplas atividades, com manipulações escusas, com a desonestidade da esperteza... na ânsia do ter, sem escrúpulos, sem medida. Para um fim que já nem se sabe, porque já se está vazio de toda a essência.

Essência essa das coisas naturais, de um beijo de boa noite, de um abraço sincero, de um amigo que não tem interesses segundos ou terceiros, que é amigo pela simples afinidade com o teu jeito. Dos casais que estão juntos não porque lhes convém economicamente ou socialmente, mas porque, na alegria e na tristeza, verdadeiramente se amam. Porque esse amor supera as dificuldades, transpões os muros mais altos, remove as pedras mais pesadas. Não se trata de uma vida tranqüila, porque Jesus não veio trazer ao mundo uma mensagem de que a vida dos que crêem nele seria de calmaria. Muito pelo contrário a vida que ele nos incita é da luta diária, do sacrifício, da entrega a Deus na fé pelo amanhã, pela recompensa que será dada aos que acreditarem sem mesmo ver. Recompensa final aos que tiveram o amor sincero e a ação firme de não titubear. Mesmo no mar revolto pela tempestade a nossa fé terá que ser maior. Se no passado perecemos, tivemos forças para nos levantar e continuar e assim que a nossa fé na esperança por dias melhores deverá sempre prevalecer. Veremos injustiças, nos revoltaremos com aquilo que não conseguimos mudar, vamos chorar de dor e de angústia por nossos pecados e por quem nos fez sofrer, mas seremos felizes se depois de todas essas agruras ainda conseguirmos erguer nossa cabeça e ver o sol a brilhar, ver as estrelas e a lua, sentir o cheiro do pão e o valor do abraço que conforta. Nas coisas simples que não precisamos de grandes esforços para obter teremos sempre a nossa alegria, e com essa alegria iremos contagiar o mundo, e os que vivem agora nas trevas a encontrar a verdadeira luz. E que todos assim revivam e vivam cada segundo de suas vidas como se fosse esse o último. Significando enfim que é preciso viver sem ansiedade pelo que está por vir, futuro que não temos mesmo nenhuma condição de antever, e nem com remorso do que já se passou, porque não pode mais nos afetar no dia de hoje.

Mas plantem hoje em abundância as sementes que podem eventualmente serem colhidas no amanhã. Não deixem que o tempo do plantio passe sem que tenham feito o que Deus esperava que tivesse sido feito. Porque há um sábio pensamento que diz: “o plantio é livre, a colheita, porém, é obrigatória”. Quem planta vento, colherá tempestade. Quem nada plantar, nada poderá esperar da colheita. Quem plantar sementes frutíferas, frutas em abundância colherá. Quem plantar o amor, o seu marido, a sua esposa, os seus filhos amados, colherá o amor e a gratidão de Deus. E irá se perpetuar, se encontrar, de repente, sem perceber, envolto na mais singela felicidade. Terás que ser sábio nessa hora, para que os falsos presentes, artificiais alegrias produzidos pelo mundo da perdição não deixem ofuscar teus olhos, e que não troques a tua verdadeira felicidade pelas ilusões fugazes e irreais desse mundo material. Sejas, pois sempre bom, assim fieis como são os cães para com os humanos, mas sejais astutos como são as serpentes, para que não sejam enganados e para que desfrutes da verdadeira alegria do cotidiano.

Mantenha o equilíbrio do teu ser fazendo minutos diários de meditação e oração, encontra-te contigo mesmo algumas vezes por dia, e no restante do tempo, ocupa-te com teus amados e com as atividades do dia-a-dia, de forma que nunca te estresses por não ter feito algo, mas olhes para frente, como num barco as águas passadas já não podem mudar o rumo da proa, mas sim as águas renovadas do presente, que atravessam pelo leme nesse instante sim, são elas as que definem onde o barco vai ser direcionado no futuro. Faça de cada pequeno gesto do teu dia um ajuste no leme do teu barco, tendo o olhar sempre atento na tua bússola, mas sem deixar de contemplar o céu azul quando assim ele estiver.

Não tenhas medo de perder quem tu amas. Teu amor terá feito aquela pessoa feliz e te sentirás bem. Se fores correspondido no amor por alguém que também te amará do fundo do coração, não deverás temer perder esse nobre sentimento, porque a angústia que advém da possibilidade da perda do que ainda não se perdeu é pior que a dor real que se sente quando realmente se perde o amor. E se no final das contas esse amor não se perder, de que terá valido tal sofrimento? E se de fato se perder, não teria sido melhor sofrer somente a dor real e não somar à essa a angústia prévia e depois ainda sofrer mais?

Então, é mister buscar o amor com serenidade, com paciência e com a calma que o próprio amor nos ensina. Seremos felizes e completos. Seremos nós mesmos. Será a suprema felicidade, mas é uma decisão nossa de largar as correntes que nos prendem aos sofrimentos do cárcere do nosso passado e viveremos a liberdade do velejar nos mares do presente, com as velas içadas ao vento que nos levará incólumes para o belo pôr do sol no horizonte das nossas vidas. Não há respostas, amore mio, somente o meu amor infinito por ti.

domingo, 12 de dezembro de 2010

TEXTO nr. 5 – Primavera de 2010

Divagações sobre o sentido de nossas vidas – Parte I

“Quando quiseres rezar olhe para o céu, contemple as nuvens numa noite clara de lua cheia. Na mescla entre as nuvens e o céu, entrecortada pelos raios do luar peça com fé, agradeça com sinceridade, exalte os outros e esqueça-se de si mesmo.” (ACM)

Angústia

Quero ter palavras, umas poucas somente, na medida suficiente para não perder a pessoa que amo. Palavras que aqueçam o coração e façam-na sentir como é forte meu amor! A minha dor é pela minha pouca coragem, lembro agora da minha infância, nunca fui mesmo aquele tipo de guri chegado numa briga, lembro, vagamente, de uma briga uma única vez, e me dei mal... não recordo o oponente, um colega que não ia muito com a minha cara, e nem eu com a dele, ele mais alto, e lembro somente do soco e de sentir um gosto adocicado de sangue, e de um pedaço esmigalhado de dente, é... parece que foi mesmo nocaute...
Depois, com o passar de muitos anos, acho que fiz progressos, é verdade, a vida me fez mais seguro, tive que buscar ter mais segurança daquilo que sou capaz, e evitar aquilo que me amedrontava; e, por isso, ainda titubeio ao ter que me expressar expondo meu âmago, do qual me envergonho, quiçá pela sombra do meu passado frustrante. E, apesar de tantas tristezas, consegui sobreviver, e numa noite abençoada encontrar uma mulher que mudaria minha vida para sempre. O amor mais profundo aconteceu em mim em um segundo como uma semente, que foi germinando e que deu fruto. E o que sinto por essa mulher para o todo sempre irei sentir. Mas ainda sinto-me envergonhado e não consigo externar meu eu, mantendo-o escondido, porque não me sinto digno da tua presença, já que te vejo como uma pessoa de coragem, que enfrentou tudo e todos e sempre encarou a vida de frente. Ela é especial, e corajosa, minha luz na escuridão, o sol a me aquecer nas noites frias da minha angústia pelos dias que virão. Pelos pesadelos dos quais nunca consigo me lembrar, mas que sei que me assombram sem trégua.

Dor e Amor

A vida hoje se traduz para os viventes com um sentido paulatinamente impingido, martelado continuamente em nossas fracas mentes: viver intensamente, comprar coisas (nem que seja mostrar que se tem o poder de comprar, para mostrar mais do é realmente possível de se ter, mas que é importante que os outros saibam que você pode ter); Felicidade é essa busca constante daquilo que ainda não temos, mas que quando conseguimos perde o sentido e temos que ir desesperadamente atrás de mais coisas.
Ah, quando eu tiver o meu carro! Ah, quando eu tiver aquele carro que o meu chefe tem... Ah, quando eu puder comprar tudo que sempre sonhei eu vou descobrir que no fundo ali essa tal felicidade não está.
Mas que felicidade pode ser maior do que descobri-la de repente no amor: mas pra isso você precisa saber amar e ser amado. “Ser amado” é algo que buscamos desde que nascemos. Ficamos doentes quando a nossa mamãe nos deixa na escola pela primeira vez, afinal de contas perder o amor da nossa vida não pode ser aceito com tranqüilidade, não é mesmo? Depois crescemos e temos o grande desafio de aprender aquilo que não é nato: aprender a amar. E nessa luta buscamos outro que nos complete, nos entenda, nos ajude nos momentos difíceis, que nos aceite enfim, como somos. E descobrimos que o outro quer isso também. E quando isso acontece nos descobrimos amando e sendo amados. Mas só quando os filhos chegam é que conseguimos sentir o amor na sua mais pura fora. Entendemos que o amar e ser amado são enfim o sentido maior de nossas vidas, e tudo o mais perde a importância. Perde tanto a importância que se torna nítido como, agora sim, sentimos a felicidade ao estar na nossa família, com aqueles que amamos de verdade e que nos amam mais que tudo nas suas vidas.
É bom me sentir amado por ti, esposa, e pelos nossos filhos. Mas é muito bom também amá-los e respeitá-los hoje até o último segundo da minha vida que, por ser eterna, traduz o tamanho do amor que podemos ter e dar: basta dizermos sim!
E eu digo sim, encontrei a felicidade ao lado do amor da minha vida, e sei que sou e serei sempre uma pessoa que pode dizer que encontrou a felicidade. Mas infelizmente não posso dizer como ela é, e muito menos que ela é como todo mundo espera que ela seja. Não poderei dizer como a felicidade é porque isso é algo que se sente no coração, na mente, na pele também, em cada poro obviamente, e em cada partícula do ser, quiçá além. E por isso tudo e muito mais, pelos sentimentos que palavras não podem expressar, eu só posso dizer que amo minha baixinha do fundo do meu coração... a amo infinito.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

TEXTO nr. 4 – Inverno de 2010

RELATO DO EXÍLIO


Introdução

O título acima retrata uma imponência um tanto quanto falsa. Não haverá aqui qualquer relato acerca de epopéias de exilados políticos devido a uma ditadura acontecida em algum país, em alguma época remota. Trata-se, na verdade, de um manuscrito feito um estagiário de um Núcleo de Preparação de Oficiais da Reserva (NPOR) do Exército Brasileiro. Trata-se de uma adaptação do texto original, com nomes e locais modificados para preservar a privacidade das pessoas e das idéias. O manuscrito foi escrito durante as horas de folga, durante um mês de estágio e internato no 54º GAC (Grupo de Artilharia de Campanha), na cidade de Ijuí, Rio Grande do Sul.
O autor do manuscrito nos revela aqui memórias e impressões que foram sendo captadas no decurso do tempo. O estágio foi o ponto culminante de um ano inteiro de serviço militar obrigatório. Obrigatório mesmo, pois apesar dele ratificar, por diversas vezes, sua intenção em não realizá-lo, foi-lhe imposto com mão-de-ferro. Vislumbra-se, ao final, que a resignação deu margem a muita inconformidade também e que, apesar dos pesares, o sofrimento sempre traz algum tipo de amadurecimento, de aprendizado da vida.


I – A Chegada

A viagem de Santa Maria até Ijuí consome, de ônibus, por volta de três horas. Saímos, eu e mais três colegas de estágio, às 9 horas da manhã de domingo, dia 2 de fevereiro de 2002. O ônibus estava vazio e este vácuo contrapunha-se aos nossos pensamentos, repletos de expectativas e preocupações.
Paramos em Júlio de Castilhos e Cruz Alta de chegarmos a Ijuí. Na rodoviária foi fácil encontrarmos o caminho do quartel – por sinal o único da cidade – denominado 54º GAC. O quartel estava fincado num dos pontos mais altos da cidade. A distância era longa e as mochilas pesavam nos ombros, durante a subida, como um fardo pesado, como a cruz de Cristo.
Do quartel a vista era panorâmica de toda a cidade. A visão do Corpo da Guarda, protegido por cavaletes de aço que dificultavam a passagem de carros, dava uma aparência de presídio àquela sóbria construção. Para acentuar nossa aversão à esta grotesca cena a chuva precipitava-se a cada instante com maior intensidade, sem se importar com os nossos lamentos.
A chuva prolongou-se até segunda-feira e nós terminamos o domingo contemplando-a pela janela do alojamento dos oficiais.


II – O Primeiro Dia

O grande problema a enfrentar era a falta de fardas para mim e outro colega. Além disso, alguns outros estavam com fardas camufladas – devido à mudança que estava começando a ocorrer – mas que iriam precisar da farda antiga verde-oliva já que o cronograma para a troca estava atrasado.
No período da tarde consegui uma farda usada e alguns outros complementos e, com a diminuição da chuva, já tive a oportunidade de ministrar uma sessão de ordem unida (um dos encargos de um aspirante-a-oficial no início do ano) e que consiste em fazer os recrutas marcharem, obedecendo à comandos dados em voz alta pelo comandante da bateria, tais como “Aaaalto!”,”Meia-voooolta voool-ver!”, etc. E ainda, após isso, acompanhar outra instrução de educação física com os conscritos.
Pude perceber uma coisa com clareza: o pavor dos soldados recém-incorporados, que me causava certa compaixão, pois eu estava a participar de atitudes que muito me revoltaram no ano anterior e que, agora, era obrigado a repetir perante outros pobres coitados. Estava a aliviar meus recalques em cima de outros e estava sendo executor de atitudes que tanto reprovava. Infelizmente vejo que na vida não podemos fazer apenas a nossa vontade. Vivemos numa coletividade, uma sociedade que nos impõe, muitas vezes, obrigações que nos parecem absurdas, mas que são impostas com mão-de-ferro. Não temos como recusar. Nestes momentos o mais importante é dizer para si mesmo que a vida é um eterno aprendizado e que em qualquer lugar e em qualquer atividade estamos a aprender algo. E aprender é inerente ao ser humano.


III – O Tipo Humano Apropriado à Vida Militar

Nestes primeiros dias percebi as atitudes relativas à personalidade mais adequada à vida castrense. Deste tipo de pessoa pode-se dizer que é imprescindível que seja sarcástica, com uma ironia que chega à morbidez. Por quê? Simples. O comandante de qualquer fração de tropa num quartel precisa gostar de gritar com muita ira com os soldados, impondo o respeito pela humilhação, pelas piadas sarcásticas dirigidas individual ou coletivamente. Pode-se até pensar que isso não é necessário, mas eu digo que é indispensável. Aquele que não é assim não terá como gostar de uma vida militar. Que outro atrativo há além dessa falsa impressão de superioridade? Somente o monetário, e este, todos sabem, não é fator para motivar uma profissão bem sucedida e feliz.
Outra qualidade é ser presunçoso. Afinal, um superior deve agir como se fosse onipotente. Sendo assim deve fazer valer sua vontade mesmo que tenha dúvidas sobre ela. Podem-se ver claramente estas personalidades estampadas na figura do alto comando do Exército, quando alguma fraude ou irregularidade surge. A velha atitude prepotente e presunçosa toma forma, onde tudo e todos estão armando uma campanha de “depreciação” contra as Forças Armadas. E este atitude é incutida ao próprio caráter daquele que entra numa escola de formação do Exército. Se forem analisados os dois fatos eles diferem apenas de escalão, mas são totalmente idênticos.


IV – O Nosso Alojamento para Definir Quem Somos

Ao todo somos aqui nove aspirantes-a-oficial da Reserva, exilados, muitos a treinar e aprender uma profissão que não escolheram. São sete que fizeram o NPOR comigo, na Artilharia, mais um de Intendência. O alojamento é uma sala com aproximadamente 35m2. É um alojamento padrão, com beliches circundados por armários, uns de metal e outros, na parede do lado esquerdo, de madeira, mais antigos. No mais a cor predominante, como sempre, é o verde-oliva. Eu durmo (e escrevo como faço agora) na parte de cima do último beliche à direita. Embaixo está o ASP ALMIR, natural de Três de Maio. Ele faz administração em Panambi e pretende conseguir uma vaga como tenente temporário. Ao meu lado fica o ASP DEMARTINI que é o mais louco daqui. Ultimamente tem feito uso da autoflagelação com o cordão da persiana da janela, gritando quando menos se espera “Ninguém sabe NAAADAAAA!”, fruto da sua indignação por estar aqui. Ele estuda comunicação na FURB e odeia o Exército assim como eu e a maioria aqui. A cama embaixo da dele está vazia. Na minha frente está o ASP CARDOSO que é de Erechim e está querendo uma vaga para poder casar (coitado, é mais louco do que o DEMARTINI!!!). Embaixo da cama dele está o ASP CASARIN. Ele é de Santa Maria e faz Filosofia na UFSM (entrou um ano antes do que eu). É uma daquelas “peças raras”, pois está sempre pronto para largar qualquer observação hilária ou bobagem completa. As camas na minha diagonal à direita abrigam, em cima o ASP MARQUES e, embaixo, o ASP SANTOS, ambos de Santiago, e também ambos sem uma definição da vida profissional no momento. O ASP MARQUES não passou no vestibular este ano e pretende conseguir um emprego para ocupar o ano e partir para uma nova tentativa, ano que vem. O mesmo pode-se dizer do ASP SANTOS que vai tentar ano que vem novamente uma vaga para Direito na UFSM e, enquanto isso vai ficar trabalhando na fruteira que o pai dele possui em Cachoeira do Sul. E, por fim, na última cama, em cima, está o ASP RODOLFO, que veio de Porto Alegre, onde prestou o serviço militar em Intendência, que é a divisão do Exército responsável pelas provisões de alimentação para os quartéis, na paz e na guerra. Ele faz Direito na UFRGS e parece que também não quer voltar para a vida castrense depois do estágio. Embaixo está o ASP SILVEIRA, que é de Santo Antônio da Patrulha e estuda em Santo Ângelo.
Posso dizer que a convivência é boa. Todos são amigos, alguns mais outros menos, mas o respeito impera e é isto o mais importante para que se tenha paz no convívio entre nove homens entre quatro paredes, num internato atípico.


V – A Intoxição Provoca Mil Penúrias

A alimentação aqui é um capítulo à parte: simplesmente destrói e aniquila qualquer ser humano. O exagero nas frituras, o suco e a sobremesa artificiais, o arroz branco, o excesso de carne e o uso indiscriminado de açúcar e sal refinados, tudo vai contra qualquer possibilidade de busca de um equilíbrio neste lugar que já é, por si só, tão desequilibrante.
Nos primeiros dias senti claramente uma dor de cabeça, uma moleza e torpor que não me eram comuns. Após uma semana a dor de cabeça começou a ser aplacada pela própria insistência no erro e somente o torpor após as refeições persistia como inabalável aviso. Nem sei porque escrevo isso, se no meu estado sou capaz de não conseguir reproduzir com fiel exatidão o quadro que pinto da minha situação.


VI – Afinal, Qual a Causa da Revolta?

Che Guevara foi um revolucionário de grande destaque na história latino-americana. Será que ele, alguma vez, perguntou-se o porquê da revolta? Penso que sim, afinal é normal analisar a finalidade de seus próprios atos. E então o que teria ele pensado? Presumo que nas várias etapas de sua vida tivesse tido diferentes concepções sobre a revolta. Por isto não estou a querer lançar verdades, tanto que presumo que minha tese atual (que na verdade é um pensamento vago demais para ser chamado assim) não é algo definitivo. Afinal, à medida que superamos diversas etapas de nossas vidas, sentimos a necessidade de revermos os nossos conceitos sobre os diversos assuntos a que nos propomos divagar. Um pensamento que li algum tempo atrás traduz com sublime exatidão o que quero dizer: “As convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras” (Friedrich Nietzsche).
Atualmente penso que a revolta é algo falso. O conceito pré-fabricado é de que a revolta surge da insubordinação a regras pré-estabelecidas, mas hoje não mais concordo com isso. A revolta dita deste modo é elegante, é pomposa, mas é maculada pelo vazio. Os jovens são os que mais bradam seus estereótipos de revoltosos quando, na verdade, estamos sempre presos pelos laços da coletividade. Laços que impedem qualquer possibilidade de mudança de atitude. Jovens revoltados são tão verdadeiros como atores num palco. Interpretam papéis que a coletividade os impõe e transforma-os assim em ledos fantoches.
A revolta surge realmente quando uma atitude inesperada, não estipulada, é encenada. Então o grupo é quem se revolta contra aquele fantoche que quer cortar as cordas que o prendem e agir livremente. Pobre coletividade que têm garras de aço. Prende todos dentro da mesma redoma da “mesmice-coletiva”. Entregue-se à massificação e viva tranqüilo essa sua vidinha sem sentido. A ignorância sobrevive graças ao poder exercido pela imagem do indivíduo perante a sociedade.


VII – Hierarquia... Quem Sabe Usá-la?

Se fôssemos definir uma regra para a delegação de hierarquia poderia se levar em consideração dois fatores: o conhecimento e a idade. E, nesse ponto, percebemos que a visão militar da hierarquia não se desviou totalmente de uma concepção ideal. Realmente perante Deus todos nós fomos criados à sua imagem e semelhança e então somos todos iguais. Porém, devido a fatores diversos, chegamos, nos dias atuais, a uma situação onde poucos têm alcance às fontes de conhecimento e assim, estes poucos, e diferentes graus, elevam-se acima da maioria. A hierarquia surge neste ponto. E neste ponto surge com ela o uso presunçoso do poder gerado por este forma de organização. O uso indiscriminado sempre gerou o vício e o vício sempre gerou um sentimento de necessidade arraigada do fruto do vício.
Nos ambientes onde a hierarquia é usada indiscriminadamente, os elementos fracos de caráter contraíram o vício pela hierarquia. E este vício faz com que se julguem superiores sempre. Eles estão embriagados pelo sentimento de luxúria do poder. Sentem-se donos de super-poderes que os tornam capazes de fazer qualquer coisa melhor do que aqueles que foram julgados inferiores a ele. Coitados, estão cegos pelo poder. É ridículo julgar alguém superior porque cursou o ensino médio e outro não. Há, neste caso, apenas diferentes conhecimentos. Se o que não estudou estava a plantar arroz, milho ou outra cultura qualquer, o seu conhecimento nesta atividade é superior ao outro. Como aceitar então aqueles que se julgam sempre melhores porque alguma lei humana – digna de toda e qualquer desconfiança – disse que o seu conhecimento pesou mais que o de outros?


VIII – O Feriado de Monte Castelo

Se a descrição a seguir fosse um roteiro de teatro ou de algum filme com certeza seria um épico grandioso: embarcações alemãs afundam covardemente navios comerciais dentro do mar territorial brasileiro. A causa? Ora, um vilão tomado pelo demônio quer dominar o mundo, apesar de estar a reconstruir seu país depois de uma espoliação sem comparação, ocorrida ao final da Primeira Guerra Mundial. Além disso, ele está sendo hostilizado lá bem perto das suas fronteiras com a Polônia (certamente é um enredo de ficção...).
O orgulho nacional, porém, já foi irremediavelmente ferido, e só nos resta mandar mais de 25 mil homens, entre eles jovens “cegos” pela vontade de defender a Pátria. Valoroso ideal! E então esta Força Expedicionária é anexada a um Batalhão de Infantaria dos Estados Unidos, para servir de escudo protetor nas geladas montanhas do norte da Itália. É exatamente isso! De repente, o filme épico se transforma no mais puro filme de terror. Jovens embriagados pela mentira forjada por gananciosos e inescrupulosos detentores do poderio econômico mundial são jogados na vala comum dos “inocentes-úteis”. E hoje os quartéis comemoram os grandes feitos do Exército brasileiro na 2ª Guerra Mundial e até apresentam valorosos ex-combatentes que voltaram com vida, certamente porque nunca empunharam um inócuo fuzil e não tiveram assim um braço, uma perna ou outra parte do corpo mutilada, antes de morrerem por causa do frio ou pelas frias balas das armas inimigas.
E então a grande cena final, a gloriosa tomada de Monte Castelo – fortificada posição de defesa contra o avanço aliado em direção à Alemanha – estaríamos a bordo de um avião americano de reconhecimento. Lá embaixo pode-se ver o monte Castelo, todo branco pela neve do rigoroso inverno dos Alpes que ali, no norte da Itália, começam a tomar forma. O monte é protegido por farto armamento e soldados entrincheirados em volta da grande muralha são apenas simplório aviso da segurança da fortificação. O ataque será maciço e o comandante das tropas americanas já tem toda a ofensiva esquematizada.
Sobre uma mesa mal-iluminada, na tenda de comando, mostra uma carta topográfica da Itália. Com o auxílio de uma varinha assinala a posição das tropas amigas e a ação conjunta que será realizada:
- Tudo muito simples... – diz ele, com a voz embargada. – força brasileira atacará o inimigo pela frente enquanto isso...
- Mas General... – era o coronel comandante da Força Expedicionária Brasileira que intervinha. – Isso será suicídio! Seria mais prudente usarmos o flanco direito e...
- No, no, no! – O General sabia o que dizia. – Exército Brasileiro com certeza obterá êxito pois estaremos apoiando vocês pelo flanco esquerdo, tomando o posto de Monte Belvedere.
- Mas General, este posto só tem dois sentinelas e não...
- Será o impossível que você não entende meu caro coronel: deste ponto apoiaremos o seu exército e então a ação se efetivará totalmente vitoriosa! (E foi mais ou menos assim...).
No quadro final vemos a encosta, antes branca, agora coberta de corpos onde o verde-oliva das fardas contrapõe-se com traços do mais sanguíneo vermelho. Há soldados mortos, há soldados mutilados agonizantes, há soldados que choram e há soldados que gemem. Há soldados alemães, italianos e brasileiros. Mortos ou mutilados. Armados ou não. Com certeza os que têm ainda um sopro de vida pensam com orgulho que estão a dar a vida pela Pátria. Mas eis que lá, à esquerda, surge uma tropa. Vão em direção à fortificação militar, agora mais um cemitério do que um quartel. Uma cena hedionda, digna das profundezas do inferno. A câmera aproxima-se e vemos à frente uma bandeira dos Estados Unidos da América. Mas que pena, não é mesmo? Eles se atrasaram e não tiveram a oportunidade de participar de tão grandiosa batalha. Mas assim mesmo dirigem-se ao mastro, um grande mastro bem no centro do quartel. Fazem descer a esfarrapada bandeira nazista e o pavilhão americano é hasteado com pompa e admiração de todos. Um soldado brasileiro sem as duas pernas e gemendo e contorcendo-se e frio e de dor ainda levanta a cabeça e presta continência. The End!


IX – O Quartel É Fascinante: Deixa a Gente Ignorante Fascinada

Quando servir no Exército torna-se algo atrativo penso haver dois motivos somente: um seria a curiosidade pela alta tecnologia em armamentos que, devido a fatores incutidos na criança que se fascina por brincadeiras com armas durante sua infância e quando jovens acabam por serem atraídos para as armas de guerra. E o outro fator seria uma busca simplória por segurança, comida, teto e algum dinheiro para a própria sobrevivência. Não é preciso ser especialista em sociologia ou psicologia para deduzir que o jovem brasileiro busca no quartel, principalmente, um padrão de vida melhor. Agora imagine a situação em que ele se encontrava antes, já que uma função de soldado não é tão bem remunerada assim. E então não é de se admirar de frases tipo: “porque nóis tamo aqui para defender a Pátria”, dita por um recruta quando perguntado da validade da lealdade na convivência no quartel. Concordo absolutamente com o valor da lealdade no caráter de qualquer pessoa. Porém na justificativa dada percebe-se como a propaganda ilude os ignorantes. Jovens que não tiveram a oportunidade de estudar, até que desenvolvessem um senso crítico, tornam-se “papagaios” de frases feitas, lidas ou ouvidas na TV ou qualquer outro meio de comunicação de massa. E é esse povo marginalizado que vem aos quartéis, alguns iludidos outros famintos, mas todos enganados por vil embuste dos poderosos. “Nos quartéis lhes ensinam antigas lições/De morrer pela Pátria e viver sem razões.” Geraldo Vandré traduziu com maestria na canção o destino daqueles que buscam uma vida melhor no Exército. Talvez até escapem de morrer de fome, mas serão sempre espectros fugazes no caminho da humanidade. Bertold Brecht captou o fim dos quartéis porque eram formados por homens, e estes homens sabiam pensar. Mas alguns outros homens inescrupulosos, mas visionários, trataram de impedir que estes homens subjugados chegassem um dia a pensar. E conseguiram. Agora dão risadas da indignação do pobre Bertold. Mas eis que Shakespeare coloca a mão no ombro daquele Brecht indignado e sussurra-lhe no ouvido: “Penso, logo existo; se estes homens não o fazem, logo serão sugados pelo vácuo da ignorância”.


X – Como Tirar Suco de Pedra

A história aqui contada tratou de muitos aspectos, fatos, personalidades e opiniões que tentaram mostrar o absurdo da vida militar. Se o objetivo foi alcançado é algo relativo. Porém torna-se imperativo buscar fatores que possam ser de grande valia àqueles que viveram temporariamente um ambiente verde-oliva. Afinal, muitos enfrentaram e assumiram algo pelo qual não havia escolhido de livre e espontânea vontade, e nisso diferem daqueles que assim o fizeram e escolheram uma vida com um ideal tão pequeno. Digo ideal pequeno porque, exclusive toda a instrução, toda a preparação física, todo o conhecimento dado ao soldado, específico ou de vida, nos anos que se repetem o ideal maior do militar é a Guerra. Logra-se aí descobrir o absurdo de uma vida voltada para a destruição. Não importa que se afirme que tudo tem o seu valor. Como, por exemplo, dizer que a pessoa aprende a superar obstáculos no quartel. Obstáculos que antes achava intransponíveis e passa a conhecer seus limites, podendo isso refletir de modo positivo na sua vida. Tudo certo! É uma contribuição digna de aplauso, mas o problema encerra-se no ideal. Todo o homem que busca ser feliz na vida precisa de um ideal delineado e de preferência infinito. E, no caso como é retratado acima, o que se vê é uma clara indefinição de ideal que trará tão somente a infelicidade e a fuga.
Aqueles, porém, que enxergarem esta contradição poderão sentir-se felizes pela experiência que tiveram. Viveram sacrifícios, revoltaram-se, humilharam-se, resignaram-se, mas superaram desafios e descobriram forças adormecidas no fundo do seu ser. Sabem que precisam de um ideal construtivo e descobrirão, no momento certo, como usar das aptidões desenvolvidas durante este tempo. São inteligentes para separar o joio do trigo e não estão bitolados a encenar a guerra por toda a vida. Estes que assim pensarem terão grandes chances de viverem a vida como ela deve ser: cheia de dificuldades que precisam ser transformadas em alegrias pela superação e força de vontade.
Hoje termino de escrever meu manuscrito, chove forte lá fora e já se passaram 23 dias dentro de um quartel, mas sei que a alegria de ter superado estes dias e os da última semana que restam, será de um gáudio grandioso, uma alegria indescritível, e sei também que já tirei muito “suco desta pedra” para seguir meu caminho, tortuoso, vida afora.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

TEXTO nr. 3 – Outono de 2010

Recapitulando minhas razões (by Rê Michelotti)

Gosto do que vejo em ti: dos teus cabelos prateados, dos olhos azuis, dos teus lábios finos e de teu sorriso aberto. Gosto de tuas mãos fortes, mas ao mesmo tempo, tão delicadas quando encontram as minhas.

Gosto do teu jeito tímido, bastante reservado e muito discreto. Gosto do tom e do som da tua voz. Acalma-me. Gosto do teu riso sincero, da tua palavra certa. Gosto do jeito que tratas quem tu consideras de fato amigo.

Tu me fazes gostar ainda mais de ti, quanto percebo nos teus gestos e atos que respeitas de verdade o meu jeito de ser, mesmo que este seja tão diferente do teu. Admiro a maneira como me entendes, pois sei que muito do que te peço nem sempre é fácil de compreender.

Me deixas feliz ver-te socializando junto comigo, pois mesmo que tu não tenhas assim tanta necessidade ou vontade de ficar de papo por aí como tenho, sabes que para mim é muito importante a tua presença.

Ainda que eu muitas vezes brigue contigo por tua ausência em função dos teus estudos ou do teu nobre trabalho, admiro muito a tua força e vontade de seguir adiante. A tua persistência e organização para conseguires o que deseja. Posso dizer, são invejáveis.

Paciência e Organização, isso tu tens de sobra. Queria ser como tu, e estar sempre em dia com a vida. Queria ser como tu, que não te irritas por pouco e mesmo quando aquele mais insuportável tenta, não consegue te atingir. Consegues sempre ser mais forte e não se deixa contaminar mudando teu humor por conta disso. Sua marca registrada é a capacidade que tens de isolar aquilo ou aqueles que não considera bom ou importante o bastante para ti.
Admiro tua paciência, em especial quando tu relevas as bobagens que falo num momento de irritação ou raiva. Como você sempre me diz, eu sei, tenho sim pavio curto, muito curto. Somente alguém assim como tu poderia me entender.
Gosto de inúmeras coisas em ti... Tantas que não haveria como pôr tudo em um pequeno texto. Um texto que me serviu não mais que para recapitular algumas das tantas coisas e razões que tenho para gostar de ti tanto assim... E assim, continuar ao teu lado.

Por estas e outras tantas razões... Mas especialmente, por seres alguém tão especial a ponto de ser capaz de me perdoar sempre que preciso; seja por meus erros ou meus escorregões vida afora - Me perdoa sempre. E, ainda assim consegues me dar a certeza de poder continuar confiando em ti, independente de qualquer coisa. Isso tudo que és e fazes por mim... Isso não tem preço!

sábado, 6 de março de 2010

TEXTO nr. 2 – Verão de 2010

As verdades que (não) podem ser verdade

Vivemos na era da informação, nunca houve época igual. O acesso a todo tipo de dado pode ser feito de um computador conectado à internet. Simples e rápido. No entanto me parece que estamos mais perdidos agora do que na época das trevas da idade média. Com tanto informação acredito mesmo que os “novos ricos” da era atual serão aqueles que conseguirem diferenciar o que presta das bogagens, como disse Umberto Eco. Li uma reportagem que falava que uma substância utilizada em alisantes de cabelo, paixão das mulheres, induz mutações no DNA. Transcrevo parte da notícia “Coordenada pelo cientista Israel Felzenszwalb, do Laboratório de Mutagênese Ambiental da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a pesquisa mostra que a substância mais perigosa é o ácido pirogálico, ou pirogalol, presente em alisantes industriais do tipo henê.”. Leio ainda na mesma reportagem que desde 1976 esta substância era proibida da Europa. Mas aqui no Brasil nada se falou e ela continuou liberada. E esse silêncio de mais de 30 anos é ou não igual àquele da época medieval? E será que existem outras verdades que ainda não podem ser verdade; ou que ainda não sabemos se é verdade ou mentira? Isso tudo me deixa muito perplexo.
Por curiosidade, ao fazer uma pesquisa sobre fornos microondas me deparo com questionamentos quanto ao uso seguro de tais equipamentos para o preparo e aquecimento de alimentos. “É possível que milhões de pessoas sejam ignorantes, sacrificando sua saúde em troca da conveniência dos fornos a microondas? Porque a União Soviética proibiu o uso dos fornos a microondas em 1976? Quem inventou os fornos a microondas e por quê? As respostas para estas perguntas podem induzir-lhes a jogar no lixo o seu forno a microondas.” São questões que aparecem ao se fazer rápidas pesquisas na rede mundial de computadores. “E agora, José?”. Nada, absolutamente nada se fala nos meios de comunicação que rebata tais afirmações sobre alterações nos alimentos preparados pelos fornos microondas. E, no entanto, essas pesquisas, são meio que clandestinas. Ou assim nos fazem pensar, afinal elas parecem mesmo clandestinas, afinal de contas ninguém fala sobre elas, nunca são rebatidas, nenhum telejornal ou revista fala sobre tais questões “absurdas”. São ignoradas, apenas. E de tão absurdas são jogadas para baixo do tapete, no completo anonimato da grande mídia. Mas por quê? Alguém será que já se perguntou o motivo de não serem contestadas, já que são assim tão absurdas? Se por acaso são mentirosas certamente os fabricantes de fornos microondas poderiam divulgar as suas próprias pesquisas, que demonstrariam como esses excelentes e práticos eletrodomésticos foram uma das mais incríveis invenções humanas da atualidade. Mas tais pesquisas eu ainda não li... Porque será que não foram ainda amplamente divulgadas? Acho que então eu posso continuar com o pé atrás em usar indiscriminadamente essa alternativa para elaborar os alimentos. E então continuo a me perguntar, será que passarão quantos anos até que finalmente alguém “descubra” que aqueles forninhos de microondas que a vovó usava causavam mal à saúde, que induziam mutações de DNA, ou câncer, ou sei lá o quê? Será que essa também é uma verdade que (não) pode ser verdade?
E assim continuo, ao ler notícias na internet, a me deparar com muitas afirmações que me deixam sem saber onde a verdade está. Ao pesquisar, por exemplo, sobre famoso “spam” (email que se espalha como praga pela internet) que alardeia a benéfico uso da Graviola como milagrosa cura para o câncer, encontro vários textos que citam, por exemplo, que “As folhas, raízes e sementes da Graviola demonstraram propriedades de ação anti-séptica ativa em um estudo feito em 1940.”. Mas que estudos são esses eu me pergunto? E o texto não dá nenhuma resposta. Mas continua: “Em 1997, num estudo clínico mais recente, foram encontrados alcalóides no fruto da Graviola com efeitos antidepressivos em animais”. Novamente a gente fica a se perguntar, que estudo clínico foi esse? Se eu quiser saber mais detalhes onde encontro esse estudo? Nada. Novamente o silêncio das trevas medieval toma conta da nossa leitura e ficamos sem saber se é outra verdade que (não) pode ser verdade.
São tantas interrogações nesse texto que eu fico a me perguntar se vale continuar com essas divagações. Estou querendo esclarecer algo ou deixar tudo ainda mais confuso? Na verdade nem uma coisa nem outra. A questão central aqui é sempre a mesma, uma pá de idéias que possa abrir a cabeça do leitor. Fazer com que novos questionamentos aflorem. Evitar o marasmo do pensamento, não deixar que a mente fique a vagar entre a propaganda da Coca-cola e a novela das oito. Chegar à verdade é uma busca incessante, uma perseguição que consome nossas forças, que balança nossa fé.
E pra finalizar, será que eu ainda falo sobre a chegada do homem à lua, ou então sobre o holocausto, o extermínio dos judeus na segunda guerra mundial? Pois é, existem sim contestadores dessas verdades (irrefutáveis?). Melhor eu parar por aqui, antes que seja rotulado de anti-semita ou comunista... Mas é difícil, passam alguns minutos e começo a lembrar das histórias de Dan Brown sobre Jesus, e assim devo continuar nessa interminável dúvida sobre a verdadeira verdade. Será que é mais feliz aquele que fica alienado de tudo e acerca de nada se questiona de tudo que vê e ouve neste mundo? Essa é uma decisão como tantas outras que tomamos nas nossas vidas. Podemos escolher se buscamos a luz ou continuamos nas trevas. A idade média, como eu já disse, já passou, mas muito ainda permanece obscuro após tantos anos. Se querem viver atrás da verdade sigam-me! Ou se acomodem na feliz ignorância, eis a encruzilhada que se coloca à nossa frente.
Esse é o texto do verão de 2010, que assim encerro desejando que o outono possa trazer uma brisa mais amena, já que esse acalorado debate iniciado aqui por certo não tem data para acabar. E espero que com o outono o clima ajude a cicatrizar os danos que a pá de idéias possa ter feito na cabeça dos leitores mais inadvertidos. Eventualmente, caso a cabeça tenha sido aberta pela pá de idéias, não é o caso de pedir desculpas, afinal é ótima oportunidade para se continuar a questionar as verdades, as verdades que são mentiras, as mentiras que são verdades, ou as verdades que (até) podem ser verdade mesmo, até que possam encontrar as verdadeiras verdades.

Referência citada no texto:
Ingredientes de alisantes de cabelo podem induzir mutações no DNA. Fonte: Agência O Globo. Disponível: http://www.clicrbs.com.br/especial/sc/donnadc/19,0,2793484,Ingredientes-de-alisantes-de-cabelo-podem-induzir-mutacoes-no-DNA.html. Acesso em 23 Fev. 2010.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

TEXTO nr. 1 – Primavera de 2009

Quando minha esposa comentou que gostaria de fazer mestrado em sociologia eu achei uma ótima idéia. Esforcei-me para incentivá-la, fui atrás de informações sobre o programa de pós-graduação; pesquisei o preço dos livros indicados na bibliografia que precisava ser estudada para a prova de admissão. E dessa busca acabei encontrando um texto publicado na revista eletrônica dos pós-graduandos em sociologia política que se chamava: “A marca Mc Donald’s na sociedade de imagens: mídia e cultura no capitalismo em crise”, escrito por Paulo Liedtke. O texto me chamou muito a atenção já pelo título. Fiquei empolgado e decidi que seria muito bom iniciar meu blog para compartilhar algumas idéias. Mais que isso, acabei por me lembrar daquela música chamada “É só imagem”, de uma antiga banda gaúcha dos anos 80 com nome inusitado: “Os Eles” (talvez não soubessem na época, mas eles estavam sendo arautos dessa tendência mundial que era lenta e cuidadosamente planejada). É algo que nos passa despercebido na correria do dia-a-dia, mas que é evidente se paramos um pouco para refletir: como estamos, todos nós, envolvidos num mundo de imagens, que nos padroniza e nos coloca produtos e pensamentos uniformemente planejados. É a sociedade cada vez mais “midiática”. Antigamente a famosa frase de Descartes “Penso, logo existo” fazia muito mais sentido. Hoje parece que vale mais o “Sou famoso, logo existo”. É todo mundo vivendo um “Big Brother”, até o desenho para as crianças tem uma canção que diz e repete várias vezes “eu quero ser famoso... lááá-lá-lá-lá-láá”. É, vale a pena já ir incutindo na criançada o que devem buscar quando forem adultos, não é mesmo? Ou seja, definitivamente estar “na imagem” hoje em dia é existir. Se estou na TV ou em outro meio de comunicação sou o máximo, mesmo que por efêmeros segundos. E se o motivo foi uma micro-saia que virou caso de polícia, o que isso importa? Depois eu consigo aparecer em todos os programas de TV e ainda ganhar uma graninha que é o que importa nessa vida não é mesmo? (Para os desavisados ou para refrescar a memória falo do caso ocorrido com a aluna que foi hostilizada por alunos da universidade UNIBAN em São Paulo e que se configura em mais uma das muitas personagens que aderiram à busca incessante do “quero aparecer a qualquer custo, logo existo”.
É, vivemos sem nos darmos conta no American Way of Life que me fez lembrar de novo daquela banda que eu mencionei antes e que também cantava uma canção que tinha exatamente esse título “American Way of Life”; bem só posso dizer que eles estavam bem ligados no que estava acontecendo nos anos 80, eram verdadeiros visionários, apesar de muitos não captarem direito o que eles estavam querendo mostrar. A letra da música era bem interessante, uma crítica direta à vil lavagem cerebral que estava, cada dia, mais e mais insidiosa nas mentes de todos. A letra da música, bastante contundente, fazia qualquer um que não fosse totalmente alienado ficar pensando sobre as mudanças que estavam pouco a pouco acontecendo, e falava assim:

“Quando eles entram na sua mente
Como você vai se defender?
Vai vestir uma bombacha?
Ou usar aquela espora?
Não adianta mais ouvir milongas
Tomar chimarrão
Vestir com tradição
Você entrou no American Way of Life

Quando penetram na sua alma
Como você vai se proteger?
Vai cantar um samba-enredo?
Ou recitar Castro Alves?
Não adianta mais dançar um frevo
Tomar guaraná
Clamar aos orixás
Você entrou no American Way of Life

Neste âmbito fica claro como se obteve sucesso nessa questão de penetrar na alma das pessoas. Basta “querer ver” para se perceber a coerção daquelas culturas regionais mais fortes que estão presentes em estados brasileiros como o Rio Grande do Sul ou Pernambuco. Busca-se um constrangimento daqueles que ainda lutam para manterem-se fora do “American Way of Life”. Aqueles que pregam o “Nativismo”, a preservação das culturas locais, são cada vez mais foco de atos discriminatórios. A mídia, agindo assim, tenta enfraquecer a cultura própria de cada povo e evitar a formação de cidadãos críticos, no afã de formarem uma massa amorfa de consumidores que atendam aos apelos do “lixo” travestido de luxo apregoado pelas famosas marcas mundiais.
A cultura “McWorld”, codinome que pode ser dado à cultura mundial norte-americana, passa também (e talvez principalmente) pelo cineminha do final de semana, pela telenovela, pelo DVD da locadora, pelo passeio no shopping, é, meu amigo, a indústria do entretenimento torna-se assim forte aliada, instrumento de manipulação e dominação da sociedade, ou você acha que a mentalidade dos indivíduos não é lentamente manipulada para gerar a passividade e conformismo social que estamos vendo hoje em dia?
Parece que os fins justificam os meios, afinal inversão de valores é o que mais se tem visto no mundo contemporâneo. "O mundo inteiro é forçado a passar pelo filtro da indústria cultural” (ADORNO, Theodor W. & HORKHEIMER, Max . Dialética do Esclarecimento. Zahar Ed, RJ, 1985.).
Para aquelas que a pá conseguiu abrir a cabeça os textos abaixo podem preencher alguns dos espaços vazios que se formaram:
ADORNO, Theodor W. & HORKHEIMER, Max . Dialética do Esclarecimento. Zahar Ed, RJ, 1985.
BARBER Benjamin R., Cultura McWorld. In: Por uma Outra Comunicação: mídia, mundialização cultural e poder, Ed. Record, RJ, 2003.
1 51 LIEDTKE, P. / EmTese, Vol. 2, nº 1 (2), p. 122-152

DANTAS, Marcos, A lógica do capital-informação: a fragmentação dos monopólios e a monopolização dos fragmentos num mundo de comunicações globais. RJ, Contraponto, 2002.
DEBORD, Guy. A sociedade do Espetáculo, Contraponto, RJ, 1997.
FONTANELLE, Isleide. O nome da marca: McDonald's, fetichismo e cultura descartável, Boitempo Editorial, SP, 2002
JAMENSON, Frederic. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. Ed. Ática.
KLEIN, Naomi. Marcas globais e poder corporativo. In: Por uma Outra Comunicação: mídia, mundialização cultural e poder", Ed. Record, RJ, 2003.
LIEDTKE, Paulo F. A esquerda presta contas: comunicação e democracia nas cidades, Editoras da UFSC e Univali, 2002.
MÉSZÁROS, Instván. Para além do capital. Boitempo e Unicamp, SP, 2002.
MORAES, Denis. O capital da mídia na lógica da globalização. In: Por uma Outra Comunicação: mídia, mundialização cultural e poder", Ed. Record, RJ, 2003.
WALLERSTEIN, Immanuel. Análise dos sistemas mundiais. In: GUIDENS, A. & TURNER, J. (org) Teoria Social Hoje, Ed. Unesp, SP, 1999.